
No anno de nosso senhor de 1875,
a nascente imprensa
publicou num canto de página um annuncio
tratava-se da fuga de um certo escravo ,
de nome Adão, da cidade de Campinas .
O texto dava-lhe uns 40 annos,
Falla grossa e feia .
De immediato uma photographia
se formou em minha cabeça :
quebrando a unha-de-gato
serviram-lhe de abrigo ?
Terá acordado, sobressaltado ,
immaginando a aproximação dalgum capitão-do-mato ?
Terá buscado um quilombo para resistir ?
Terá ouvido falar de Antônio Conselheiro ,
arrebanhando gente para viver livre na caatinga ?
delle ter sido accomettido,
Aas vezes gosto de pensar que Adão
saiu aa cata de ouvintes aptos
e numa noite clandestina elevou a falla grossa e feia
a respeito da Liberdade e da África –
elaborando a sublevação, premeditando o confronto :
uma bella barba áspera crescendo em seu rosto ,
contornando a bocca isenta de carícias .
chamando a attenção
perdido na esclerose da geographia sertaneja .
tenha dissipado a sua vida .
o que poderia saber Adão,
e disseminassem por ali a desgraça que traziam na tosse ,
nas chagas , nas roupas ?
O que poderia saber Adão, procurado,
sumariamente caçado
(ainda que tudo indicasse sua inutilidade à lavoura ,
ao roçado),
O que poderia
e que estava sendo de extrema utilidade ao Império ?
sinhás mutilando mucamas por ciúmes
– naquela época corriam boatos
______de sinistros ensopados de seios ,
______de guisados com clitóris servidos aos senhores ;
e o canto pavoroso do açoite .
e por isso passivos de escravidão ! Ou quem sabe
apresentou como prova de seu êxito
na campanha contra os creoulos!
Terá sobrevivido,
propiciando um novo caminho
[Engraçado como] não sei nada além de que se procurava,
no anno de nosso senhor de 1875,
e se transformou em multidão !
27 comentários:
Rafael!
Que lindo esse poema. Queria ser como você, tirar o foco do meu umbigo e finalmente enxergar a figura do outro com tamanha beleza. Parabéns.
Você recebeu meu livro? Já enviei pelo correio.
Grande abraço.
Sua prima.
Cláudia Cardoso
Oi Rafael, acabei de te ler no Poema Dia, simplesmente, perfeito. adorei! bjs
ótimo poema. não perde o ritmo, descritivamente poético. abraço meu caro. isaias
Muito bom, camarada!!
Muito bom Nolli, imagens fortes, construção perfeita e inteligente.
Abração meu véi. Saudade sua.
Camarada,
para que não restem dúvidas. Você é um dos melhores poetas brasileiros contemporâneos! Genial esse poema!
Estarrece. Sangra. Faz chorar. Fere.
Obrigado pela vida que está aí dentro!
Jorge
oi Nolli, você nos leva pra dentro do poema, muito belo.
gde abraço!
Rafael, emocionante. Lembro-me da primeira vez em que fui à Bahia, e também em Ouro Preto, quando percebi que a presença da dor dos escravos é ainda muito forte. Algo como... Ser remetido ao tempo de então. Aqui, você retrata fielmente esse tempo, inclusive ortograficamente. É pouco expressar o que digo. Mas, infelizmente, faz parte da história humana.
Sua poética é perfeita!
Tua poesia é quase visual, Rafael. Nossa... Eu não te leio, te assisto. E que imagens... beijo!
Impressionante o resgate que vc faz de um fato histórico através de um poema que é uma viagem à imaginação e, ao mesmo, a uma infeliz realidade...Um beijo!
Essa ferida nunca adormece.
Jota Cê
Nolli, já disse isso outras vezes mas repito: se todos os jovens tivessem a sua sensibilidade o mundo seria muito diferente, justo e belo.
Achei fantástico esse poema.
abs.
Nolli, finalmemte consegui um tempo pra te ler. E não me arrependi. Que beleza de poema: uma mistura de história, ficção, poesia, enfim, tenho que ler de novo...beijo
e aí camarada NOLLI? Estamos Há cá!
Querido amigo, este é, sem dúvida nenhuma, um de seus melhores poemas. Tem uma linguagem provocativa, crítica, e é fruto de uma peleja histórica, uma dívida que o Brasil varonil tem com seus "degredados" de ontem e hoje.
Belíssimos versos! Emociono-me com tamanho domínio do texto, com a condução dos arremates. A proposta é preciosa.
Forte abraço e parabéns pela lucidez dos versos!
Como todas as vezes que entro aqui uma bela surpresa. Precisaria de um elogio esse poema ou o poeta que o fez? Acredito que tanto o poeta quanto o poema sabem exatamente do que são feitos! Mais como um elogio sincero nunca atrapalha. Parabéns poeta!
Bacana rapaz. Você conhece "O caso dos dez negrinhos" do Braulio Tavares? Acho que cê vai gostar. O Solano Trindade também é porreta. Ele podia ser filho desse escravo. Abração e apareça
Gostei tanto que fiz uma chamada pr'este poema no Twitter!*
Evoé.
RW.
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* E olha que tenho notórias e sólidas inclinações extremo-direitistas! Não ria.
Fantástico, Nolli. Tem a assinatura da sua sensibilidade e visão além dos olhos. Grande abraço.
Uau, que texto denso! Gostei muito, prende a atenção do início ao fim. O fato de escrever com algumas palavras com a grafia antiga foi também um recurso interessante, para nos situarmos ainda mais na época descrita.
Ma ra vi lho so.
Nada melhor do que enxergar com poesia...
É uma mescla tão bonita de sensibilidade, são tantos assuntos num só poema, muita riqueza nos pensamentos poetizados.
Noite de luz.
Rebeca
-
Ora aí temos um exemplo do que deveria ser o novo acordo ortográfico.
Era bem mais elegante a ortografia desses tempos!
Um forte abraço
Show!
CLAP CLAP CLAP
!!!
Estupendo, apenas isto.
Adrián de Limes, ou Adriandos Delimes
Excelente poema, Rafael.
O tema é um achado e o desenvolvimento inspiradíssimo.
Muito bom conhecer o seu blog.
Um abraço
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