quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

LambeLambe

Meu haicai nos postes de São Paulo, Capital.

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Cidadão de Bem



1
execrável o cidadão exemplar
que segue à risca todas as regras
e não se envergonha
de ser mais realista do que o rei

a plateia
por exemplo
que em 68
vaiou Caetano

2
execrável o cidadão exemplar
que venceu na vida
– existirá meios limpos? –
que defende a ignorância
com unhas & dentes
algumas citações da bíblia
um trecho da constituição
um artigo da lei

o síndico
por exemplo
que chamou a polícia
para tirar os Beatles do telhado






quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Sinopse de uma ameaça

A Morte Cansada (Fritz Lang, 1931)

Quisera me matar por nada. Era o seu prazer dizer vou te matar. Adorava explicar como estrangularia – ornava as palavras com gestos expressivos, usando as duas mãos que possuíam calos de punheta e canivete. Os dedos se retorciam como as raízes de um mangue, enquanto a boca torta defecava palavras empoeiradas. Vinha de seu âmago o ódio que lhe tomava as rédeas da razão, que era pouca e epiléptica. O seu vou te matar, nascia quase no intestino grosso e subia, emporcalhando de merda o corpo acima – se tornando pedra na subida severina; feria as paredes da garganta e arranhava o esmalte dos dentes: nasalava sua voz ao sair-lhe pelas ventas, deixando seus dizeres quase engraçados – se não fossem trágicos.
Estava , diante de mim, seu dedo espichado e retorcido. Caranguejos passeavam debaixo da unha, que quase tocava meu nariz, coreografavam um balé ridículo, em marcha ré.
E era por nada, todo aquele ódio. Vou te matar e pronto. Não iria roubar relógio, bater carteira, sequestrar mãe, sodomizar as irmãs, mijar nos pôsteres na parede. A ameaça era certeira e precisa. Quando se distanciava um pouco de seu objetivo, dizendo em volteios sua ira, essa se abrandava em meio a um vocabulário reduzido de expressões atômicas: as palavras tornavam-se turvas, desprovidas de analogiamas sabido como era, logo voltava a frisar seu intento e evocar a morte em carne e osso como companheira de empreitada.  
Ninguém podia duvidar que em breve haveria um corpo estatelado no chão, retorcido de dor. Tudo era certo: vou te matar e ponto! Ele achava que me caía bem um cabo de faca saindo pelo umbigo. Parecia haver simetria nessa imagem, o sangue escorrendo, emboçando no chão – o esguicho manchando o couro do tênis: sabão nenhum haveria de limpá-lo! Ninguém duvidava que alguém sairia com o apêndice perfurado ou uma tripa dependurada: todos se perguntando, em particular, se aquilo seria doloroso, com uma ponta de satisfação por ainda terem as próprias tripas devidamente resguardadas em suas barrigas.
Claro, seria eu o agraciado com essa dádiva. Tratei de abrir um guarda chuva dentro de mim, pois havia um temporal me inundando: gotas escapando pelos sulcos arados da testa, onde mais cedo havia plantado algumas sementes de ideias. Estaria estragada a plantação. Não haveria colheita no ano vindouro. Tudo estava encharcado por uma lama espessa, que descia ao olho trazendo um sal amargo que ardia na pupila: a água contornava a sobrancelha, inventando um leito.
Gritar a polícia! Pedir socorro! Apelar pela misericórdia divina! que adiantaria? Os crimes aspiram na lei, não na vontade de cometê-los: em breve ele me encontraria numa rua qualquer. E tudo se repetiria: vou te matar! O dedo imundo me deixando vesgo. O brilho de uma lâmina polida brilhando no canto do olho...
Sem mais nem por que, despediu-se de mim com umavisado.
Apenas em sonhos voltaríamos a nos ver.





quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Os espólios do poeta Ricardo Wagner, em uma caixa, no chão da sala


1
um dia, a mãe do poeta me ligou
o bardo estava trancado no quarto
há dias
com a luz apagada
ouvindo béla bartók ou Dvořák
– não me lembro ao certo

fui lá, persuadi-lo a sair da reclusão:
mas ao contrário do se se esperava
lá me enfurnei também

“só saio se você sair, é um pacto” eu disse

assim
me internei com ele
naquela noite e na seguinte
& falamos de tudo –
absolutamente de tudo

não era a primeira vez que dividíamos a cama
mas foi a última pra sempre

2
uma caixa cheia de livros
é a herança que agora chega até mim
– uma caixa ordinária, de papelão
com logotipo de supermercado

uma caixa cheia de livros
que agora está no chão da sala
me mostrando que a vida
– essa grande aventura –
se desfaz como um sopro

um sopro breve
incapaz de apagar as velas
ou bagunçar o cabelo

3
um dia saímos do quarto - obviamente
talvez seja poético dizer que o cigarro acabou
ou que não havia mais o que comer

ele disse
“cara, tenho que dar um cagão”
abriu a porta & saiu

4
R.W., que merda você morrer
& me deixar essa quantidade de livros pra ler





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