1
Não tinham nada em comum.
Se se amavam era por ignorância.
Outra palavra excederia.
Sequer poderiam explicá-lo.
Se amor fosse, o que o tornava?
Cio talvez dissesse algo.
Mas não dizia, em absoluto.
Fica-se assim, acreditemos.
E damos por salvo o poema.
2
Ele. Por falta de aptidões
– feio de berço, crescido errado –
nada de melhor lhe ocorreria.
Ela. Por falta de anseios
– sentia senão cólica menstrual –
nada de melhor lhe ocorreria.
Um dia os caminhos se cruzaram
– dia qualquer, sem santo ou festa.
Nada de melhor, nada de melhor...
3
Nem tão bom haveria de ser.
O tanto que era não bastava –
havia fome e frio todo dia.
Sequer tão ruim chegaria a ser.
O tanto que era se suportava –
coisa que não chegaria a aleijar.
Nada de ambos haveria de ser.
O que quer que fosse assim o era –
um pouco de cada em doses diárias.
4
Até onde poderão ir ninguém sabe.
Manter-se vivo tem sido o bastante –
e a saúde vai sendo remediada.
Até onde poderão ir ninguém sabe.
Uma hora a voz ultrapassa o limite –
e dos socos se passa à faca.
Até onde poderão ir ninguém sabe,
um passo adiante devora a cerração –
e o poema perde a sua batalha.
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Colagem de Max Ernst - da série "A Semana da Bondade" |
Meus caros amigos, há algum tempo venho alimentando uma obsessão por “fotografias poéticas”. Seria algo como o poeta se colocar feito um pintor na praça e se por a rabiscar sobre os passantes. Sei que o poeta francês Jacques Jouet, vinculado ao grupo Oulipo, trabalhou assim por um tempo.
Já tenho um bom número desses poemas. São auto-retratos, retratos falados, rascunhos, etc, todos absurdamente especulativos... “Retrato de um Casal” é mais um dessa série – outros podem ser lidos nos seguintes links: