1
há
dez anos os enlatados começaram a vencer. alguns objetos da cena – tv,
telefone, vitrola, vídeocassete – já não se fabricam mais. foram suplantados
pela concorrência ou sofreram saltos evolutivos – pouco lembram aqueles sáurios
um
presente de Natal – de dez anos atrás – aguarda para ser aberto (ou enviado) e
não será: tudo foi adiado para sempre
2
Em
meio à mobília
diante
da TV desligada
a
dez anos, pelo menos
nenhum
telefonema
nenhuma
visita
Em
meio à mobília
esquecida
por uma década
dezenas
de aniversários em branco
ceias
de natal
diversas
festas de fim de ano
reuniões
do condomínio (centenas delas!)
bailes
do Clube dos Aposentados
todos
em branco
ninguém
para reclamá-la
nenhum
vizinho ou amante
que
tenha dado por sua falta
sobre
a cômoda, coberta de pó,
a
caderneta de endereços
abarrotada
de nomes
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nenhum
inimigo fiel e impiedoso para cobrar uma dívida, para esclarecer velha rixa ou
perdoar uma rusga do passado
ou
um passante, incomodado com o fedor de seu cadáver, um voyeur acampado no
edifício em frente, um ladrão sorrateiro. um filho
como
um animal no meio da mais obscura floresta, na mais completa solidão
(lá
fora a cidade fervilhante)
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Quanto
tempo terá resistido o cão
–
desesperado e faminto –
após
a morte da dona?
*
Um comentário:
Poesia sempre. Continue firme.
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