sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Naufrágio


Em 1988, eu tinha oito anos. Lembro como se fosse hoje de acompanhar pela tevê o naufrágio do Bateau Mouche.
É uma recordação que nunca me abandonou.

Depois, o caso do menino sírio, encontrado morto em uma praia da Turquia - outra recordação difícil de apagar da memória.


Esse poema é sobre os dois casos.


Naufrágio


É novo, ou de pouco uso
o chinelo que a maré trouxe de volta
como atesta as suas cores intactas

O brilho da borracha reforça a teoria
O sal pouco fez contra a sua estrutura
O sol, tampouco
O azul do céu
ainda lhe parece um irmão caçula

Talvez o canal o tenha trazido
boiando em meio a toda sujeira
ou a chuva da madrugada

Chacoalhando na espuma
– a noite toda –
para ser devolvido às areias da praia
sem memória
misturado aos restos dos corais

Amanhã o outro pé, novinho
Depois o corpo do menino






l. rafael nolli