segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A dança das nove


piolhos de cobra (Diplópode) - foto Rafael Nolli

Compreenderia se me dissessem que por ti
homens e mulheres secaram seus American Express:
que os sentimentais se internaram no Prozac,
mergulharam na cachaça
e acabaram por se identificar
com os personagens das músicas bregas,
com os suicidas frustrados
e os figurões às portas da falência.

Aceitaria como verídico se me contassem que por ti
jovens se masturbaram no banheiro do colégio,
esquecidos do medo das mãos ficarem cabeludas,
das espinhas abundarem,
do pau entortar noventa graus.

Eu creria se me dissessem que outros,
os de alma mística
(na veia correndo alguma coisa andina, ou céltica),
foram desesperados aos lupanares,
recorreram à nave central das igrejas
e terminaram encontrando um resquício de ti
na fumaça da maconha, nas mesas de oija,
nos terreiros de candomblé.

Eu relevaria se afirmassem que Balzac & Nabukov
foram visionários que a profetizaram:
quealgo seu, talvez os olhos,
talvez a alma, na arte de Botticelli;
que poetas menores a vislumbraram,
mas incapazes de compreendê-la
terminaram escrevendo
Sonetos Bucólicos à Virgem.

Acataria de bom grado se narrassem em poesia
a saga de homens lacerados
que por ti recorreram ao Merthiolate, à Aspirina,
e sem esperança se entregaram aos divãs,
à loucura mansa dos que cochicham com as sombras,
ou se desnudam na rua.

Jamais duvidaria se me contassem
que uns fizeram de seu nome um mantra,
outros um hino e os exaltados um caminho.

Não duvidaria nunca!
Ó musa, como eu não te amo!


* do livro Comerciais de Metralhadora
Musas dançam com Apolo (Baldassare Peruzzi)
Calíope, Clio,  Erato, Euterpe, Melpômene, Polímnia, Tália, Terpsícore, Urânia

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Fragmento

Ossada. foto rafael nolli


Camaradas,

eu sei: eu sou previsível como um rio:

em meu curso haverá esgotos,

matadouros, indústrias, encanações horrendas,

desmatamentos e cadáveres de suicidas.

Previsível como um rio:

por mais que me contenham, represem-me e me façam diques,

eu hei de escapar por sobre as bordas!



* Fragmento do poema "Sinfonia n 1 para guitarra, fuzil e baioneta" de 12/08/02