sexta-feira, 4 de julho de 2008

Quisera

Pintura de Peter Max

Quisera que além das fronteiras
houvesse um outro mundo
– encravado debaixo desse mesmo céu –
onde homens como eu
retirados do mesmo fosso
tivessem aquilo que nos falta

Por detrás de suas portas
tudo não fosse previsível e amargo:
a lida não exigiria o coração dos filhos
o prazer da mulher anulado até segunda ordem
as horas fraternas adiadas para outro data

O dia, para acontecer, não necessitaria
mastigar a ponta de seus dedos
beber o suco de sua imaginação
minar o combustível de seus sonhos

O dia, para funcionar, não exigiria
uma nova geografia nos rostos
(uma imensa ferida aberta)
o riso e o sorriso aniquilados
o nome perdido em meio aos escombros da face
(resistindo mumificado na foto do crachá)

Quisera que dobrando a linha próxima
houvesse uma outra terra
– mera continuidade dessa que por ora piso –
onde a lei não exigisse uma
travessia diária com o sol posto nas costas
afim de aquecer a piscina
& corar as senhoras de boa educação

A Ordem não obrigasse uma
rigidez marcial ao espetarem a lua no céu
mantê-la acessa na janela dos nights clubs
& pratear os passos de dança no gran hall

Onde um decreto não impusesse
a manutenção e a conservação das estrelas
para acalentar o sonho dos pequenos
& ilustrar o triunfo dos bons moços

Quisera que debaixo de seus tetos
houvesse mais que um fiapo de descanso
velado por um cão
– ou um outro alarme estúpido qualquer –
que vencendo o limite adiante
existisse uma outra região
habitada por homens como eu
– organizados num mesmo caldeirão –
onde não fosse necessário afiar os dentes
as unhas
sair de casa com uma faca no bolso da calça:
sem um dicionário de ódio no criado mudo
seria possível despertar, ir ao supermercado

Quisera que após o perímetro adiante
houvesse um outro mundo
– situado no fim da rua que por aqui passa –
habitado por homens como eu










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