domingo, 10 de abril de 2011

Book Fotográfico

Colagem de Max Ernst da série "A Semana da Bondade"




Retrato de um casal

1
Não tinham nada em comum.
Se se amavam era por ignorância.
Outra palavra excederia.

Sequer poderiam explicá-lo.
Se amor fosse, o que o tornava?
Cio talvez dissesse algo.

Mas não dizia, em absoluto.
Fica-se assim, acreditemos.
E damos por salvo o poema.

2
Ele. Por falta de aptidões
– feio de berço, crescido errado –
nada de melhor lhe ocorreria.

Ela. Por falta de anseios
– sentia senão cólica menstrual –
nada de melhor lhe ocorreria.

Um dia os caminhos se cruzaram
– dia qualquer, sem santo ou festa.
Nada de melhor, nada de melhor...

3
Nem tão bom haveria de ser.
O tanto que era não bastava –
havia fome e frio todo dia.

Sequer tão ruim chegaria a ser.
O tanto que era se suportava –
coisa que não chegaria a aleijar.

Nada de ambos haveria de ser.
O que quer que fosse assim o era –
um pouco de cada em doses diárias.

4
Até onde poderão ir ninguém sabe.
Manter-se vivo tem sido o bastante –
e a saúde vai sendo remediada.

Até onde poderão ir ninguém sabe.
Uma hora a voz ultrapassa o limite –
e dos socos se passa à faca.

Até onde poderão ir ninguém sabe,
um passo adiante devora a cerração –
e o poema perde a sua batalha.





Colagem de Max Ernst - da série "A Semana da Bondade"



Meus caros amigos, há algum tempo venho alimentando uma obsessão por “fotografias poéticas”. Seria algo como o poeta se colocar feito um pintor na praça e se por a rabiscar sobre os passantes. Sei que o poeta francês Jacques Jouet, vinculado ao grupo Oulipo, trabalhou assim por um tempo. 



Já tenho um bom número desses poemas. São auto-retratos, retratos falados, rascunhos, etc, todos  absurdamente especulativos... “Retrato de um Casal” é mais um dessa série – outros podem ser lidos nos seguintes links: