segunda-feira, 23 de maio de 2011

Verbete # 36: Rato

fotografia de francesca woodman

Para Sany Lara

O olho lembra uma gota de plástico derretido, dotado de mecânica interna que o rege sem grande alarde – uma gota de solda em circuito de celular, ou outro aparelho pequeno e complexo, nos remete em objetividade e opacidade.
Se na loteria evolutiva acendessem, antes de nós teriam criado um sistema parecido com esse – e nunca chegariam à poesia: seriam burocráticos, elétricos, cocainômanos, propensos a deliberações breves que se resolveriam em silêncio.
Poucos foram os que os viram pequenos, presos às tetas, sorvendo o leite que – talvez – a natureza pouco se orgulhe de ter elaborado: e que nunca chegaria às sorveterias, tampouco desfilaria em propaganda como ingrediente de creme para as marcas de expressão facial. Aqueles que os vislumbraram sabem pouco além de que são úmidos, vermelhos como a glande de um pênis; nota-se à primeira vista que saíram antes do tempo, afetados por elementos pesados ou nocivos.
Animal algum – ferido terrivelmente ou de forma comedida –, lembra tanto o homem ferido. A forma com que os ossos saltam para fora da pata aveludada – coberta com uma fina e bem arranjada camada de bombril – remete a ciclistas atropelados, visualizados pela janela do carro; lembra um cotovelo fraturado em um vôo inconseqüente que termina na lateral da piscina. 
(Uma criança deste tamanho, ou um pouco maior – já em seus primeiros ensaios –, seria incapaz de tocá-lo. O faz com besouros metálicos, baratas lisérgicas; certas vezes puxa pequenas cobras pelo rabo e as leva à boca; come a própria merda sempre que quente e próxima à mão.) 
Em determinado momento parecem movidos por uma insistente voz que os impele ao saque, que os conduzem à pilhagem: atravessam enxurradas obstinadamente – ainda que a anatomia os impossibilite; vencem dezenas de metros de encanamentos até surgirem ofegantes nas privadas – comprometidos, não recuam ou se arrependem; configurados para escalarem árvores e sacadas alçam-se ao alto para devorarem restos de sanduíches e pombos sonolentos.
Nenhum messias entre eles. Ninguém que se destaque em fome ou fúria.

10 comentários:

Graça Carpes disse...

E... Conectam-se.
;)

Isaias de Faria disse...

nossa poesia é pura necessidade nossa mesmo. grande abraço meu velho

Cássio Amaral disse...

nolli,

poema mais que rasgante e transgressor, como todo poema tem que ser.
te considero um grande poeta, um grande escritor!
te considero não porque somos amigos, porque você é. sua alma é grande mano véi.
meus parabéns pelo neném que é menino.
parabéns para você e sany!

abração.

"força sempre"

ca.

Larissa Marques - LM@rq disse...

gosto do que escreve e não faço segredo disso!
beijo!

flaviooffer disse...

Muito belo trabalho, camarada! Como sempre um texto instigante. Abraços!!!

Kátia Torres disse...

Texto contemporâneo, denso, crítico sem ser melodramático. Parabéns!

ju rigoni disse...

Texto forte, denso, instigante; incômoda analogia.

Ler seus escritos é sempre uma grande experiência.

Maravilha, Rafael!

Bjs, poeta. E inté!

~*Rebeca*~ disse...

Forte!

Rebeca

-

carmen silvia presotto disse...

Um abraço Rafael, desejo que esteja tudo bem, deixo um beijo e um bom final de semana.

Carmen.

Sidnei Olivio disse...

Caro Nolli, minha produção é sombra pouca ao lado da sua. Abração.