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um ser humano
– bem alimentado
dotado de apetrechos variados (re-
médios, médicos, TV, internet, forno
micro-ondas, celular) –
vive, em média, 79 anos
caso
tenha sorte
– ou o nome que se queira dar (e
não seja atropelado, baleado
caia no poço do elevador ou
escorregue no banheiro) –
um ser humano
– bem alimentado –
vive, em média, 79 anos
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há no mundo uma ordem de insetos
– denominados ephemeroptera (ainda
que pouco importe o seu nome
/ por mais poético que ele seja /) –
que vive, em média, 24 horas
um
dia na vida de um homem
– que em média não comemora
(que forma estranha de dizer isso!)
o octogésimo aniversário –
é toda a vida de um desses insetos
isso
caso eles sejam bem alimenta-
dos (e não acabem debaixo de um chi-
nelo, envenenados por defensivos agrícolas
fritados no mata-mosquito
/ dependurado no teto de um boteco /
terminem no bico de uma ave
ou encontrem a indesejável das gentes
no
papo de um sapo)
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em Santa Catarina
– estado da região sul (que tem o no-
me em homenagem a uma mártir
que apareceria
/ anos mais tarde /
nos sonhos de Joana d’Arc) –
havia uma árvore de 535 anos
(quinhentos e trinta e cinco anos)
diante
desse colosso – de mais de 30 me-
tros de altura
(o mesmo que um pré-
dio de 10 andares) –
um homem
com
seus míseros 79 anos de vida
– em
média –
não
é grande coisa;
o
tempo que é ofertado ao homem
(ao mais longevo deles)
não é nada perante ao tempo
– tempo tempo tempo –
vivido por uma dessas árvores
diante
desse colosso –
de
mais de 30 metros de altura
(o mesmo que um prédio de 10 andares) –
um homem, com seus míseros 79 anos
de vida – em média – é (ou deve-
ria ser), no mínimo, um súdito
diante
desse colosso – de mais de 30 me-
tros de altura (o mesmo que um pré-
dio de 10 andares) –
um desses insetos (efêmeros, viven-
do menos que um dia, em média)
não é mais do que nada:
um estralar de dedos
um piscar de olhos
um risco n’água
a
árvore não pode ser compreendida por eles –
se tivessem a capacidade de dimensionar
analisar, compreender –
senão como um ser eterno
(incriado, imortal):
uma divindade
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quando o primeiro português aportou no es-
tado (possivelmente gripado, arma-
do com uma Bíblia e um mosquete)
essa árvore – uma imbuia de 535 anos –
já era grande e frondosa
o
Brasil tinha acabado de ser batizado (com
o nome de uma árvore) e a árvore
– uma imbuia –
já existia há quase 30 anos
(aproximadamente a metade
do tempo de vida útil de um homem)
essa
árvore já existia – há décadas (se
nos guiarmos pe-
la historiografia oficial) –
quando as capitanias hereditárias fo-
ram criadas; ela viu o Governo Geral
tal como as primeiras vilas e posterior-
mente as primeiras cidades;
o ciclo do ouro, da borracha, do café
passou diante dos seus olhos;
com
seus 535 anos
foi testemunha viva de uma série de eventos
(muitos deles catastróficos):
índios sendo mortos em suas sombras
jesuítas, bandeirantes, tropeiros, etc
descansando em suas volta
(uma pausa para fazerem o que bem sabemos
que eles faziam)
ela
sobreviveu – por 535 anos –
e pôde contemplar
– do alto de seus 30 me-
tros de altura (o mesmo que um prédio de 10 an-
dares) a ascensão e a queda do império;
o surgimento da república (com to-
dos os seus percalços: um golpe de estado, já de ca-
ra; uma ditadura nos anos 30;
outra na década de 60, etc...)
ela
sobreviveu – por 535 anos –
e foi testemunha de tanta coisa grandiosa
e de tantas miudezas
(que a história sequer registrou!)
que é impossível dimensionar
a
sua magnitude
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ela sobreviveu – por 535 anos –
e, em fim, encontrou com o seu destino (nos den-
tes de ferro de uma motosserra):
o
estrondo ao cair
(imaginem o tamanho do barulho!)
como se despencasse um gigante
– esses gigantes dos contos de fadas –
do alto de seu castelo nas nuvens
o
estrondo
(imaginem o tamanho do barulho!)
como se um deus (por
que
não?) despencasse do alto dos céus
30/11/19