quinta-feira, 1 de novembro de 2007

ENSAIO

Tela de Nelson Magalhães Filho

***


Sobre a poesia contemporânea, parte 1


Não é de hoje que a poesia tem se distanciado do público leitor. Não bastasse vivermos num país que pouco lê, há ainda, por sua vez, uma onda de poetas tomados de aversão ao leitor. O problema é sistêmico. Não há verbas para educação. Para a cultura, muito menos. A iniciativa privada, iletrada, dotada da visão mais selvagem do capitalismo, está disposta a colaborar em troca de lucros, de marketing, de maior visibilidade diante da opinião pública. A poesia que não vende, que não pode ser alvo da mais-valia, vai perdendo espaço para a auto-ajuda, sobretudo a místico-empresarial, para a vernissage produzida sobre encomenda para a coluna social – abstratos prêt-à-porte, enfeites para sala e cozinha; reminiscências pequeno-burguesas sobre os ares da Dysneilandia, e a exaltação do estado de tolerância zero nas mãos de Rudolph Giuliani.

O apego formal, a busca de uma construção rigorosa, a abolição dos sentidos, do discurso, são partes importantes no processo que está em curso e que visa tão somente expulsar a poesia da vida das “pessoas comuns”. A poesia deixou de dizer algo, para se tornar algo. Artigo de luxo, incompreensível, que tem por finalidade ser objeto de admiração para iniciados. Numa sociedade que abole o lúdico e que trancou Dionísio no porão, a poesia feita de poetas para poetas é um experimento laboratorial com um fim em si mesmo. Não serve para nada, a não ser como experimento laboratorial.

O que mais soa constrangedor nessa pretensa “nova poesia” é a aura que se defende de novidade. Não há nada de novo no front. É, quando muito, mais um retorno ao passado clássico, como houve com o Arcadismo, com o Parnasianismo, com a Geração de 45, e assim por diante. Hoje, o foco escapa “do que se diz” sendo de importância apenas “como se diz”.

Por outro lado, é bom ressaltar que não se trata – não nos enganemos – de um culto ao hermetismo de Salvatore Quasimodo ou Marllamé. Ainda que haja, sobretudo a respeito de Marllamé, uma enorme veneração, essa safra de poetas está mais próxima do acaso criativo de Jackson Pollock. Marllamé, como já foi devidamente observado por José Lino Grünewald, era antes um “autor exigente” a um “autor difícil”. O que temos no ar viciado dessa nova safra são autores apenas difíceis. Não possuem o trabalho de signos de Marllamé, muito menos a lapidação que possa revelar a idéia escondida no fundo do poema. Grosso modo, a estética – dos cosméticos – impregnou as páginas dos livros.

Retirar os méritos do Concretismo, por exemplo, ao ambicionar expulsar o elemento discursivo da poesia não é o caso. Até mesmo porque há, nessa ousadia, um momento onde o verso foi repensado. A possibilidade do debate, a abertura da discussão é sempre válida. Sobretudo no tempo onde impera a visão unilateral da mídia e a exaltação do monologismo dos sectários. Mas crer que a experiência concretista é o modelo único e correto já é outra coisa. Filiando-se a uma tradição de pensamento, o autor estará, por sua vez, excluindo as possibilidades de outras tradições. A experiência de vanguarda, nesse caso, é ainda útil e legítima, desde que diluída, assimilada a outras possibilidades.

O mundo é novo a cada segundo. A velocidade das mídias, o intercâmbio de culturas só exigirá uma poesia nova, que esteja a par de tais mídias e compreenda a dinâmica desse mundo. Mas o que se tem é uma poesia artificial, que flutua dentro de uma bolha de isolamento, respirando apenas nas páginas dos dicionários, nos manuais de transgressão etimológica. Já é mais que sabido que a “poesia destituída da realidade social não vale mais que um saco de alpiste”, como já foi dito no Manifesto Potencialista.

A incapacidade de compreender o mundo, ou o que Marx chamaria de auto-alienação, pode explicar essa onda de poetas que acreditam que Fukuyama estava, em absoluto, correto ao decretar o fim da história. O mundo está pronto e compreendido e o capitalismo já é um estado permanente e irreversível. Resta então, para esses, uma poesia que não esteja vinculada com o que acontece a sua volta, posto que nada, em tese, acontece.

Convén voltarmos a Marx, que demonstra que não basta, por sua vez, simplesmente interpretar o mundo, e sim modificá-lo. Mas isso já seria pedir demais para uma geração que voltou ao vaso grego, vazio.


*

35 comentários:

anjobaldio disse...

Cara, fico muito honrado em ter uma pintura minha em teu blog. E tomei a ousadia de linkar o Stalingrado III lá no anjo baldio. Um grande abraço.

Anônimo disse...

Valeu Rafael, obrigado pelo link. Fiquei muito contente. Estamos sempre por aqui. Um forte abraço e vida longa.

Samantha Abreu disse...

As telas do Nelson são fantásticas...

Quanto ao texto, além de bem escrito, sua crítica é muito pertinente.
Eu acho, sinceramente, que não vemos com tanta clareza o que há de novo quando estamos inseridos no processo. A coisa vai mudando numa transação tão devagar e constante que fica difícil identificá-la. Mas não temos como garantir com absoluta certeza que nada está se transformando. As mudanças em outras épocas só foram analisadas, estudadas e percebidas depois de vivenciadas.

Talvez, eu pense assim apenas para não me perder ou desanimar de vez. Pode ser.
Mas essa tem sido minha salvação desse buraco pra onde nossa cultura e arte podem estar se esvaindo.

Um beijo!
e obrigada pela visita!

Anônimo disse...

Ótima sua observação, eu que me enquadro na lista dos... sei lá onde me enquadro, na verdade não consigo sequer ter um dos meus livros na prateleira de alguma livraria, dizem que os leitores querem auto-ajuda, exotéricos, coisas sobre anjos, coelhinho da pácoa e papai noél...
Ando um tanto desanimado, não com a escrita ou com o leitor, mas com o livro que não vende e com o não-leitor que só faz criticas vazias e enche ou puxa o saco, estou cada vez mais fechado, escrevendo pouco e não importa o que eu escreva sei que no final terei apenas 5 ou 6 amigos(as) leitores(as), mas vou continuar editanto meus livros apesar da não leitura dos mesmos.

só pra ilustrar meu comentário:
tentei distribuir algumas antologias (que organizei no ano de 2001)em uma cidadezinha do interior do estado de são paulo e poucas pessoas aceitaram receber o livro gratuitamente (penso que deve ser trabalhoso demais levar um livro pra casa), depois do dificil trabalho feito encontrei vários exemplares no lixo ou em caçambas de catadores de papelão (foram 600 exemplares distribuidos), fiquei tão sem vontade (mal mesmo) que não escrevi nem organizei ou editei nada durante quase 5 anos, hoje essas coisas pequenas e sem importância não influenciam mais a continuidade dos meus projetos.

entendi que a culpa deve ser mesmo minha, porisso não espero muito quando edito um livro, já sei como a coisa (não) funciona.

abraço.
- gosto muito da sua poesia.

Anônimo disse...

Escrevo o que apuram meu ouvidos...eu disse um dia, pura verdade, a vida me ensina a escrever tendo com técnica a emoção...e mais nada.
Ótimo seu texto e tela de pintura forte.
semana linda
beijos

L. Rafael Nolli disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

temos que buscar saídas. ou entradas.

Anônimo disse...

Bem, Rafael, o meu comentário exposto no blog do Linaldo fazia de certo uma crítica à expressão "poesia de invenção", seja por sua imprecisão, seja por seu equívoco. Mas a minha opinião a respeito da poesia contemporânea, a que plurintitulei, é a de que a poesia deve procurar sempre novos caminhos, mesmo que esses já tenham sido percorridos. O Augusto de Campos, em e-mail reposta ao que lhe enviei certa vez, disse-me que sempre é necessário caminhar caso haja caminhos a andar. Discordo de você quando diz que a poesia deve servir para alguma coisa, que dever dizer o que, não o como. Acho, sim, que a poesia deve ser algo e não dizer algo, porque quando ela é algo, pontecializa-se ontologicamente, capaz, portanto, de modificar o mundo. O hermetismo dessa nova geração se dá por uma sensibilidade maior ao formismo, a idéia de que a forma é seu próprio conteúdo. Não importa se eu escrevo sobre uma flor ou um pivete em penúnria catando lixo na rua, mais importante é fazer que uma ou outra imagem seja sentida ou revivida materialmente no poema, isto é, em forma de linguagem (Mallarmé escreveu sobre um leque e nem por isso tal poema é menor). O russo Chklovski, certa vez, disse que o que define a poesia, enquanto arte da palavra, em relação à prosa é a permanência da sensação da forma, ou, nas palavras de Ezra Pound, a novidade que permanece novidade. Poesia é antes de tudo forma, mas sem a dicotomia com o conteúdo, porque este já está dentro daquele. De qualquer modo, é válida a discursão, porque válido o contraditório. Eu assumo, em minha poesia, o barroquismo – já me chamaram até de neobarroco – mas não fecho os olhos para outras linguagens, principalmente aqueles cuja forma permanece.

Anônimo disse...

Rafael,

O que ando vejo é que esses poetas, os herméticos, os formais querem na verdade é o mercado meu camarada. Eles querem é vender algo que não vende. Poesia não vende meu irmão! Sabemos disso.
Seu texto é muito pertinente, e ainda há nele uma lucidez muito profunda do contexto vivido hoje.
O que rola também meu brou é a panelinha, perceba aí a coisa armada. Quem não é da panelinha tá fora. E, eu não quero andar nessa roda gigante, não faço poesia pra sobreviver, não quero ganhar nada com poesia.
Assino e comungo com suas idéias.
É como diz nosso amigo Ricardo de vez enquando: Poesia morreu! Morreu no sentido que fazer o novo não é phácill, e numa boa o que tem sido feito já foi feito any vezes antes.
Tem hora que é de dar risada com as panelinhas. Uma querendo se manter mais que a outra.
Ser marginal sempre. Não vou entrar na roda gigante não!
Mandou muito bem camarada!
Abração.

Anônimo disse...

Errata: por força do discurso (o longo texto) saiu-me "discursão", quando deveria ter saído "discussão". Desculpe-me o equívoco.

abraços.

Paula Soares disse...

Muito bom o seu blog adorei...
tens criatividade continue assim...
e pode considerar-te um novo amigo...
beijinhos

Mary disse...

� a mais pura verdade... Ningu�m mais l� poesias ou recomenda um bom poeta brasileiro... Tenho descoberto alguns poetas portugueses.
Acho que cresci num tempo qm q a poesia se elitizou. Nem na escola eu fui apresentada aos poetas contempor�neos.
Mas a vida me apresentou um certo Rafael Nolli. E a poesia nova (e cheia de atitude) veio com ele.


�timo texto, como sempre.

Bjinhos.

By Ana D disse...

Lendo atentamente e de forma interessada...Acrescentando conhecimento, concordando em alguns aspectos...Abraço !

Samantha Abreu disse...

oi querido!
quero te convidar:

apareça no Falópio e veja o que pode estar por trás de um disfarce:
http://versosdefalopio.blogspot.com/

beijos.

.

Caim disse...

Como já concordamos em uma conversa...
O conteúdo é o que importa...
Poesia deve instigar transformações sociais e comportamentais...

Anônimo disse...

Rafael, parabéns! Seu artigo é belo e assertivo. É tudo que venho pensando e agora sei como se diz! rs...
Antes mesmo da sua permissão, estou levando parte dele pro meu blog, tá?
Beijão

Anônimo disse...

Caro Rafael. Vim ler seu texto, a partir da chamada da Loba, no blog.
Interessante, coeso e bem escrito.
Mas, discordo de alguns pontos, sobretudo quando você expressa a idéia de que a poesia teria de ser, de certa forma, "engajada" à realidade social.
Não conheço seu leitor,Daniel Sampaio, mas ele expôs exatamente o que penso. Quase me tirou as palavras da boca...rs...como dizem...A poesia deve, sim, modificar o mundo, mas, enquanto "algo" que não tem em-si utilidade prática, ou como dizem outros, a Poesia é inútil dentro da idéia de "utilitarismo" vulgar.
A Poesia(e a Arte, em geral) transforma a realidade, na medida em que a re-cria, a re-lê, partindo do subjetivismo e da sensibilidade do autor.
Há muito mais que gostaria de explicitar aqui, mas, me inibo um pouco, e me sinto meio "professoral"...rs
Deixo-lhe meu braço e minha admiração.
Dora Vilela.

Anônimo disse...

Dora, Leminski geral! Até!

. fina flor . disse...

querido, só posso dizer que sofro com as mesmas impressões e mesma angústia, aliás, estou numa comunidade do orkut chamada "Pub dos contra poetas", rs*......

essa parte está perfeita:

"A poesia deixou de dizer algo, para se tornar algo. Artigo de luxo, incompreensível, que tem por finalidade ser objeto de admiração para iniciados. Numa sociedade que abole o lúdico e que trancou Dionísio no porão, a poesia feita de poetas para poetas é um experimento laboratorial com um fim em si mesmo. Não serve para nada, a não ser como experimento laboratorial".

aliás, meu texto de hoje tem irmandade com o seu.

adiante!

beijos e boa semana

MM.

Anônimo disse...

falta
lucidez
no deserto de ecos
sampleados
e de espelhos
se olhando,
parabéns pelo texto,
vou esperar
pela parte II
abração

flaviooffer disse...

Cara, ratifico que disse no manufatura...e, acrescento: não é possivel desvincular poesia da realidade. Se o conteúdo não importa, o que haverá de importar? Poesia é forma e conteúdo e, de nada adianta ser simples espasmos do egocentrismo autoral se não faz nenhuma reflexão do mundo...a arte é só catarse? ou vai além disso?
A arte é e, vai sempre continuar sendo re-leituras de re-leituras da realidade...continuará sendo perpetuamente o retorno a outras fontes sem a necessidade de se renovar e, se renovar de forma a trazer nova vida ao meio do qual ela brotou? O mundo da pós-modernidade engoliu nossa capacidade de transformação? Estamos no Século XXI e, mais que nunca é possível uma leitura própria desse mundo desestruturado, uma leitura que potencialize mudanças e, a poesia pode ser, deve ser uma ferramenta neste processo.

Priscila Manhães disse...

Oi, Nolli.
Gostei do teu artigo, você escreve bem e segue a sua linha de raciocínio sem se perder. Gostei mesmo. Mas eu discordo qto a utilidade da poesia, faço coro com Daniel Sampaio e com Dora Vilela, então não preciso repetir as mesmas palavras. Gostaria apenas de dizer algo bem simples: a poesia serve pra dar prazer e emocionar. E isso já não é grande?
Ora, pensando assim o cinema, o teatro nem sempre conseguem modificar mas dão prazer. A poesia, pra mim, está no mesmo caminho...
Beijo grande.

Anônimo disse...

Imagine o que dizer de mim, que não estou dentro nem fora do vaso grego, muito pelo contráro! Joga no lixo? Você foi fundo, amigo! Valeu! Meu abraço.

dade amorim disse...

Nolli, o poder se veste de muitos disfarces e usa cada máscara, meu amigo!... Mas se me dá licença, não creio em Marx, mesmo reconhecendo que há muita coerência e até alguma verdade no que ele diz. Acho que a gente tem que redescobrir o lado humano do homem, que tá coberto de mentiras e lixo de mercado. Valeu! Um beijo.

Erly Welton Ricci disse...

Não posso concordar com você. Você fala como se toda a produção poética contemporânea fosse ruim, o que é exatamente o contrário. Desde o neo-concretismo de ferreira gular até os dias de hoje, numca se experimentou tantos caminhos em poesia e experimentar não em relação ao mercado, que é burro e ignorante, mas em relação à arte mesmo, com os signos em abubdância que vão surgindo neste mundo onde a tecnologia cibernética faz aumentar a quantidade e a velocidade das informações.

Larissa Marques - LM@rq disse...

Rafael, não há do que discordar, sou poetisa, digo escritora por arranhar de longe alguma prosa digna. Não sou da corrente que quer destruir os concretistas, e até faço uso da poesia concreta quando me apetece. Posso fazer um convite? Poste esse artigona (di)versos:
http://www.orkut.com/CommTopics.aspx?cmm=39991951
Beijo, meu querido.

Anônimo disse...

Rafael, concordo com o que vc diz... outro dia ainda lembrei a alguém que a poesia "toca ou não toca" e que ando cansada de discursos vazios..um beijo

Anônimo disse...

QUANDO VAI SAIR A SEGUNDA PARTE? ADOREI.

Samantha Abreu disse...

tem coisa nova hoje no Falópio:
Eu e um crime passional
VERSOS DE FALÓPIO
http://versosdefalopio.blogspot.com/

Apareça!

um beijo!

Anônimo disse...

Concordo com um bocado das coisas aí. Com um detalhe: é necessário renovação não só no sistema educacional, como também na poesia. Tem muita coisa ultrapassada por aí, que não entra bem nos ouvidos da molecada "antenada" e apressada de hoje. Por tanto, essa coisa de lirismosia, como se estivéssemos na época de Castro Alves (nada contra o grande poeta. Citei só pra dar um exemplo linguístico e cronológico), já era. A molecada precisa voltar a ser fisgada pela poesia. Só que pra isso, a poesia tem que vestir roupa nova.

Anônimo disse...

Saudações Rafael, eu consigo ver isso como a lógica da Indústria Cultural. Essa lógica segue o contexto de produção, que na realidade não passa de uma reprodução em séries de produtos culturais. Existe uma grande rede comercial que é composta de vários setores dessa indústria que criam uma lógica de mercado que define o quê e quando o público vai consumir tal produto. E infelizmente alguns artistas se deixam transformar em meras ferramentas dessa industria, e se tornam o próprio espelho, sem eles a sociedade não consumiria os produtos vindos dela. A intenção é que a sociedade nunca supra sua necessidade de consumir, assim ela consome uma cultura em partes, incompleta, reproduzida e ditada pelo racionalismo técnico da chamada Indústria Cultural. Ou seja o concretismo de nossos dias. A poesia é só um reflexo dessa máquina
E mesmo que a técnica tenha quebrado as distancias entre o público e a arte, como bem disse Benjamim, ela também juntamente com a lógica de mercado favoreceu para uma nova concepção errônea de arte ser construída. Não é porque um som é ritmado que pode ser considerado música, não é porque uma pessoa está na televisão apresentando um programa que podemos considera-la um ator e nem todo filme que se vê é sétima arte . Não obstante o consumidor de arte leva mais em conta as vantagens adquiridas ao consumir o produto cultural do que a veracidade de seu conteúdo.
O ideal seria que toda expressão artística ficasse longe de uma meta com fins capitais. Logicamente o artista precisa sobreviver, mas o dinheiro têm que ser apenas uma conseqüência e não a causa inspiradora da criação artística. Fazer arte por encomenda é uma forma de prostituição e acaba caindo na mesma ideologia mercadológica da Industria Cultural. Por outro lado vejo que a técnica tornou a arte mais acessível e menos elitista. Através dela podemos contemplar e conhecer grandes obras e sem ela estaríamos limitados a condições econômicas e distâncias geográficas. A técnica apesar de ser uma ferramenta com fins de dar lucro, também criou formas que burlam essa lógica. Hoje não precisamos enriquecer os bolsos das gravadoras, nem de cantores milionários e nem da indústria da música. Roubando as palavras de uma das nossas comunidade “orkutianas”: Contra burguês, baixe MP3!

Héber Sales disse...

Caríssimo, que coragem, hem?

Eu também meterei meu bedelho.

Concordo: a poesia deve também ser a sedução da linguagem, para muitos. Apontar seu feitiço, que todos trazem dentro de si, mais ou menos conscientemente.

Concordo com restrições: poesia engajada como o caminho para reaproximar a poesia do povo comum, não iniciado. Será que entendi bem? Se é isso, não acredito nessa via única. Porque a poesia também cativa os leigos quando apenas lhes exercita a imaginação, o que também considero ser um trabalho de desalienação.

Muito bom teu ensaio. Estou esperando por mais.

Abraço!

diovvani mendonça disse...

Parabéns, Rafael, por cada caracter-aceso em seu artigo.

Eu mesmo, já escrevi num poema
"A poesia tem que serVIR para alguma coisa" - mas, depois fiquei a matutar sobre isso.

Li, Rafael, um por um; dos comentários e percebi que todos têm suas razões - mesmo que, em partes - e essas partes, todas somadas, formam o TODO. Ou seja: devemos nós, c-o-m-p-r-e-e-n-d-e-r e respeitar a diversidade e a forma-única, de expressar de cada humano-ser. Do contrário, acredito, não chegaremos a lugar nenhum.

Deixo aqui, um poema do camarada Maiakóvski

O MOVIMENTO, Poema A Plenos Pulmões

Primeira Introdução ao Poema

Caros
..........camaradas
......................futuros! Revolvendo
.......a merda fóssil
......................de agora,
.................................perscrutando
estes dias
escuros,
....talvez
..............perguntareis
...............................por mim.

Ora,
......começará
...............vosso homem de ciência,
afagando os porquês
.............num banho de sabença,
conta-se
.......que outrora
...................um férvido cantor
a água sem fervura
..........................combateu com fervor(1).
Professor,
.........jogue fora
...............as lentes-bicicleta!
A mim cabe falar
.................de mim
...........................de minha era.
Eu – incinerador,
...............eu – sanitarista,
a revolução
.................me convoca e me alista.
Troco pelo front
.........a horticultura airosa
.............................da poesia –
.....................................fêmea caprichosa.
Ela ajardina o jardim virgem
...............vargem
......................sombra
.............................alfombra.
"É assim o jardim de jasmim,
...................o jardim de jasmim do alfenim."
Este verte versos feito regador,
......................aquele os baba,
boca em babador, –
...........bonifrates encapelados,
........................descabelados vates –
entendê-los,
..............ao diabo!,
.............................quem há-de...
Quarentena é inútil contra eles
..................– mandolinam por detrás das paredes:
"Ta-ran-tin, ta-ran-tin,
.........................ta-ran-ten-n-n..."
Triste honra,
...............se de tais rosas
..........................minha estátua se erigisse:
na praça
...........escarra a tuberculose;
putas e rufiões
...............numa ronda de sífilis.
Também a mim
.........a propaganda
........................cansa,
é tão fácil
.......alinhavar
.................romanças, –
Mas eu
.........me dominava
.....................entretanto
e pisava
...........a garganta do meu canto.
Escutai,
..............camaradas futuros,
....................................o agitador,
o cáustico caudilho,
....................o extintor
.........................dos melífluos enxurros:
por cima
........dos opúsculos líricos,
...............................eu vos falo
...........como um vivo aos vivos.
Chego a vós,
......à Comuna distante,
..............não como Iessiênin,
...............................guitarriarcaico.
Mas através
.......dos séculos em arco
.....................sobre os poetas
............................e sobre os governantes.
Meu verso chegará,
.................não como a seta
..................................lírico-amável,
..............que persegue a caça.
Nem como
........ao numismata
...............a moeda gasta,
.......................nem como a luz
...............................das estrelas decrépitas.
Meu verso
.........com labor
.............rompe a mole dos anos,
..................................e assoma
.....a olho nu,
...............palpável,
........................bruto,
.......................como a nossos dias
chega o aqueduto
................levantado
..........................por escravos romanos.
No túmulo dos livros,
.............versos como ossos,
......................se estas estrofes de aço
acaso descobrirdes,
.............vós as respeitareis,
........................como quem vê destroços
....de um arsenal antigo,
.................mas terrível.
Ao ouvido
..........não diz
................blandícias
............................minha voz;
lóbulos de donzelas
........de cachos e bandós
....................não faço enrubescer
...............................com lascivos rondós.
Desdobro minhas páginas
.......– tropas em parada,
................e passo em revista
...........................o front das palavras.
Estrofes estacam
...........chumbo-severas,
.....................prontas para o triunfo
........ou para a morte.
Poemas-canhões, rígida coorte,
..........................apontando
................................as maiúsculas
...........abertas.
Ei-la,
.....a cavalaria do sarcasmo,
................minha arma favorita,
.............................alerta para a luta.
Rimas em riste,
......sofreando o entusiasmo,
.............................eriça
................................suas lanças agudas.
E todo
......este exército aguerrido,
.......................vinte anos de combates,
não batido,
...........eu vos dôo,
..................proletários do planeta,
cada folha
.............até a última letra.
O inimigo
......da colossal
...............classe obreira,
..................................é também
meu inimigo
.................figadal.
Anos
........de servidão e de miséria
...............................comandavam
...............................nossa bandeira vermelha.
Nós abríamos Marx
........volume após volume,
.............................janelas
.....................................de nossa casa
abertas amplamente,
..............mas ainda sem ler
............................saberíamos o rumo!
onde combater,
................de que lado,
..........................em que frente.
Dialética,
.........não aprendemos com Hegel.
Invadiu-nos os versos
........ao fragor das batalhas,
.................................quando,
sob o nosso projétil,
..........debandava o burguês
..........................que antes nos debandara.
Que essa viúva desolada,
......................– glória –
..............................se arraste
após os gênios,
.................merencória.
Morre,
.........meu verso,
....................como um soldado
.......................................anônimo
na lufada do assalto.
Cuspo
......sobre o bronze pesadíssimo,
........cuspo
..................sobre o mármore viscoso.
Partilhemos a glória, –
....................entre nós todos, –
..................................o comum monumento:
o socialismo,
.............forjado
......................na refrega
....................................e no fogo.
Vindouros,
......varejai vossos léxicos:
............................do Letes
..............................brotam letras como lixo –
"tuberculose",
........"bloqueio",
.............."meretrício".
Por vós,
......geração de saudáveis, –
.......................um poeta,
......................com a língua dos cartazes,
lambeu
..........os escarros da tísis.
A cauda dos anos
...........faz-me agora
..................um monstro,
..........................fossilcoleante.
Camarada vida,
..........vamos,
.............para diante,
galopemos
.......pelo qüinqüênio afora(2).
Os versos
......para mim
.............não deram rublos,
............................nem mobílias
..................de madeiras caras.
Uma camisa
......lavada e clara,
.......................e basta, –
.........................para mim é tudo.
Ao Comitê Central
................do futuro
......................ofuscante,
..........................sobre a malta
...................dos vates
velhacos e falsários,
......................apresento
.................................em lugar
do registro partidário
......todos
............os cem tomos
........................dos meus livros militantes.

dezembro, 1929/janeiro, 1930
1. Maiakóvski escreveu versos de propaganda sanitária.
2. Alusão aos Planos Qüinqüenais soviéticos.
(Tradução e notas de Haroldo de Campos)

Do livro "Maiakovski - Poemas"/Editora Perspectiva, 1982.

...

E mais um do Quitana

(Soneto IV)

Minha rua está cheia de pregões.
Parece que estou vendo com os ouvidos:
“Couves! Abacaxis! Cáquis! Melões!”
Eu vou sair pro Carnaval dos ruídos,
Mas vem, Anjo da Guarda... Por que pões
Horrorizado as mãos em teus ouvidos?
Anda: escutemos esses palavrões
Que trocam dois gavroches atrevidos!
Pra que viver assim num outro plano?
Entremos no bulício quotidiano...
O ritmo da rua nos convida.
Vem! Vamos cair na multidão!
Não é poesia socialista... Não,
Meu pobre Anjo... É... simplesmente... a Vida!...

...

O barato, caro Rafael, é que os dois camaradas acima, são Du-CarValho, né-não? Para guardarmos em tonel de carvalho.

É isso aí, Rafael, no meu caso fecho com um outro negócio que escrevi "Poesia? É um barato que voa / doa, a quem doer-se".

~^^ ~Abraço~^^ ~ ~

Héber Sales disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Héber Sales disse...

Enquanto não postas a parte dois deste ensaio, te recomendo a leitura do blog do Luciano Trigo, especialmente deste post onde ele discute o livro do Arthur Danto sobre o fim da arte:
http://colunas.g1.com.br/maquinadeescrever/2007/12/14/o-fim-da-arte-segundo-arthur-danto/
Abraços, meu caro.