quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O mesmo título de um poema de Konstantinos Kaváfis

(e um plágio confesso, evidentemente)
Behemoth e Leviathan - tela de William Blake

Vencidas as montanhas
eles rumam à cidade.

Quilômetros a serem devorados
e o ar já se torna irrespirável –
um bafo antediluviano
lambendo a pele do campo.

A caminho, calcinando a paisagem,
vão comendo a pata dos cavalos –
mera ilusão para a fome que carregam
sobre o lombo de animais elétricos.

Vencidas as montanhas
eles rumam à cidade.

Distâncias a serem consumidas
e o chão já se comporta mal –
a terra, cortada pela frieira,
expõe a carne de raízes retorcidas.

Em seus rastros, rios nauseados
vomitam sobre o próprio corpo –
peixes abortados à flor da água
oferecem as entranhas às moscas.

Vencidas as montanhas
eles rumam à cidade.

2
E não merecemos nada
além de sermos assassinados.




* do livro comerciais de metralhadora

_________
PARA VER E OUVIR



À Espera dos Bárbaros - Constantino Kaváfis (1863-1933)
     tradução de José Paulo Paes.

O que esperamos na ágora reunidos?

É que os bárbaros chegam hoje.
Por que tanta apatia no senado?
Os senadores não legislam mais?
É que os bárbaros chegam hoje.
Que leis hão de fazer os senadores?
Os bárbaros que chegam as farão.
Por que o imperador se ergueu tão cedo
e de coroa solene se assentou
em seu trono, à porta magna da cidade?
É que os bárbaros chegam hoje.
O nosso imperador conta saudar
o chefe deles. Tem pronto para dar-lhe
um pergaminho no qual estão escritos
muitos nomes e títulos.
Por que hoje os dois cônsules e os pretores
usam togas de púrpura, bordadas,
e pulseiras com grandes ametistas
e anéis com tais brilhantes e esmeraldas?
Por que hoje empunham bastões tão preciosos
de ouro e prata finamente cravejados?
É que os bárbaros chegam hoje,
tais coisas os deslumbram.
Por que não vêm os dignos oradores
derramar o seu verbo como sempre?
É que os bárbaros chegam hoje
e aborrecem arengas, eloquências.
Por que subitamente esta inquietude?
(Que seriedade nas fisionomias!)
Por que tão rápido as ruas se esvaziam
e todos voltam para casa preocupados?
Porque é já noite, os bárbaros não vêm
e gente recém-chegada das fronteiras
diz que não há mais bárbaros.


Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! eles eram uma solução.


*

8 comentários:

Joakim Antonio disse...

Estamos todos na espera, sem nos ver como os próprios.

E essa tela escolhida é cheia de simbolismos que vão além, acertou em cheio Nolli.

Parabéns!

livia-liv disse...

o grande poeta grego,ser inspirador é algo de muito bom! Confesso tambem que nestes grandes me inspiro(vezes).Nada de mal subir nos ombros dos gigantes para sentir,ver mais longe.abraçao.

livia-liv disse...

sobre o poema ..TOQUES. tal encontro é quase mágico no que podem nos oferecer de íntimo na alma e no corpo...parece que toda felicidade é uma interdiçao dos que nao sabem entende-la!Mas...o que é a vida senao a busca da nossa clareza.(mesmo havendo riscos...)liv-liv

carmen silvia presotto disse...

Um beijo Nolli, e ao te ler e escutar, digo e redigo, como não nos sentirmos na inércia do que vemos desabar???

Um beijo, e descruzar os braços, a língua, os veros é uma rajada de futuro sempre...

Beijos e boa semana.

Carmen.

Rubens da Cunha disse...

belo poema, o final me pareceu um grande paradoxo poético, não merecemos nada, mas merecemos algo, ter o nada da morte.
gostei

jorge vicente disse...

e eu gostei ainda mais, caro camarada :)))

abraços de portugal
jorge

carmen silvia presotto disse...

Nolli, um beijo e junto meu desejo de um ótimo Natal e um 2012 com grandes possiblidades poéticas.

Carinho sempre,

Carmen.

Juliana Carla disse...

Boa noite, Rafael!

Os “selvagens” buscam a sobrevivência em meio a soberba dos reis.

Bjuxxx e xerooo

Juliana Carla
brailledalma.blogspot.com