sábado, 25 de fevereiro de 2012

Herança

Foto: Rafael Nolli

Não sei se vou dizer
em que caminha a esperança no fruto
                                    ainda na semente
 
ou se digo
– se devo dizer
algo sobre a certeza nas coisas quadradas
que se estendem até se arredondarem.
 
Não sei se falo
aindavoz
de equações químicas que se resolvem em silêncio
                               nos livros que nunca caducam
 
ou se conjecturo
a luta que enfrentaram os que, antes de nós,
domesticaram os grãos a nascerem
próximo ao apelo da mão.
 
Não sei se retrato a terra sitiada
de onde escapou o musgo,
            que cobre as pedras
            como uma pelagem de inverno,
ou se explico
resta um filete de canto
os vislumbres de um futuro próximo,
onde ainda se morre como em
             Comerciais de Metralhadora.
 
Não sei se devo
ou se me permitem –
relatar as dificuldades dos homens nas fornalhas,
derretendo o minério que irá virar bibelô de madame
  ou maçaneta de táxi, e conto,
de mãos postas, a sua dieta fria, isenta de calorias; 
 
não sei se romantizo
os vagabundos noturnos que chamo pelo nome
ou se narro as noites em que sonho com a Poesia
 – a inevitável
                         e acordo de pau duro.
 
Não sei se confirmo
– se é lúcido confirmar
as verdades
sobre a ternura dos ditadores para com suas esposas
                                                                  & amigos
o carinho dos carrascos
 & torturadores dispensados aos seus filhos
    & amantes

ou se, simplesmente, me calo.
 
Não sei,
talvez o poeta esteja mudo
diante dos outdoors do apocalipse.

5 comentários:

Adriana Godoy disse...

Talvez seja isso mesmo: "outdoors do apocalipse", mas o poeta, mesmo querendo, não consegue emudecer.

Belo e trágico poema, Nolli, beijo.

dade amorim disse...

Calar o que nos aflige ou inquieta é deixar a vida passar em branco. Para isso exite a palavra, que você sabe usar tão bem.

Abração.

jorge vicente disse...

Meu Grande Poeta,

Adoro a sua poesia intensa, forte, visceral!

Te abraço
Jorge

carmen silvia presotto disse...

Que tenhamos sempre rastros poéticos aos que virão, rastro de humanidade...

Beijos Nolli, boa semana.

Carmen.

Tiago Tenório disse...

Camarada, que poema magistral. Eu precisaria xingar nomes, e sujar esse recado. Não tenho palavras pra explicar o como me sacudiram essas palavras, esse feitiço verbal. Devo dizer: "domesticaram os grãos a nascerem próximo ao apelo da mão" é conjuração, é: !!!!!

grande abraço

tenório

http://palavratardia.wordpress.com/