Desde
sempre aprendemos na escola o quanto a língua portuguesa é linda, tendo a sua
origem latina, que a opõe às línguas bárbaras; línguas essas muitas vezes escassas
de vogais e desprovidas de acentos; aprendemos – meio a revelia – o quanto a
Língua Portuguesa é bela, sobretudo quanto contrastada com as línguas de origem
não romana, que nos são apresentadas como duras ao passarem pela garganta e
mais duras ainda ao atingir os ouvidos (o que é uma bobagem de se dizer).
Claro,
há uma regra ortográfica que nos diz que toda sílaba deve possuir uma vogal
para existir, e toda palavra é composta por sílabas, logo... Mas é uma
comparação boba e reducionista crer que nossa língua é bela por ter muitas
vogais. Se formos fazer esse tipo de comparação, usando como recorte o tcheco,
por exemplo, até que pode ser que essa impressão proceda. Alguns exemplos na
língua tcheca para arranhar a garganta (e dar um nó na pronúncia):
Vlk:
Lobo
Krk:
Pescoço
Skrz:
através
Krk:
dedo
Ctvrt:
quarto
Claro que dizer isso é uma bobagem absurda, e fazer
essas comparações idem, pois há beleza em toda e qualquer língua, independendo
o uso de vogais (e para isso ficar claro, seria necessário mais de um parágrafo
sobre o relativismo cultural, mas não é esse o caminho que quero seguir nesse
texto).
No entanto, não deixa de ser interessante de se
pensar que herdemos um idioma belíssimo e o moldamos ao longo do tempo,
mesclando-o ao substrato de línguas que já existiam por aqui e outras que
arrastamos para cá (a ferro & fogo).
No entanto, não deixa de ser interessante de se pensar
na beleza do nosso idioma nesse momento de muitos nacionalistas que amam não só
a cultura estrangeira, mas se arrolam em bater no peito e defender o inglês
(dos isteitis) como sinônimo de língua perfeita (é fácil, pois “tem uma
estruturação gramatical mais simples” & “nem acento usa!”).
Aquele belo poema do Bilac, denominado – muita
acertadamente – Língua Portuguesa, sempre mostra as caras nos livros didáticos,
como um patrimônio (e o é): “Última flor do Lácio, inculta e bela”,
sendo a palavra “inculta”, às vezes, mal compreendida: inculta, por derivar do
latim vulgar, aquele latim falado pelo povo; inculta, por se opor ao latim
clássico, escrito, regido por regras gramaticais (ainda hoje, o termo
“gramática normativa” e todo o seu peso, é o pavor de muitos; pavor meu,
inclusive). Sobre o belo, não há nada a
se dizer além do óbvio: é bela pela sua literatura, é bela pela sua poesia, é
bela pela cultura que ela transporta (ou transborda), é bela, etc... etc...
etc...
Nessa mesma toada, outro poeta, em outra época,
também cantou a beleza desse idioma. Em “Língua”, Caetano Veloso canta:
"Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões” &
“Minha pátria é minha língua” & “Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim
em pó". Coisa linda de se ouvir, com certeza absoluta.
Mas
não é sobre a beleza da Língua Portuguesa e suas raízes latinas que eu quero
falar. Não mesmo (até mesmo por que me falta lastro para tal, mesmo em um post despretensioso).
Esse preâmbulo fica como isca para o que realmente me trás aqui, nesse textão
de facebook: desde sempre aprendemos na
escola que a palavra “saudade” é exclusividade de nosso idioma. Um dos nossos
patrimônios, a palavra saudade, aprendemos na escola (meio a revelia).
Claro que dizer isso é uma bobagem absurda, pois
não só o nosso idioma tem a sua gênese na língua dos romanos (imposta a ferro e
fogo, diga-se de passagem), logo, as outras línguas neolatinas, por extensão,
também tem uma Saudade para chamar de sua.
Por
exemplo, em espanhol há a palavra Soledad, tal como há Soledat em Catalão; o
Romeno, que também tem um pezinho no latim, tem um correspondente: a palavra
durere. O mesmo ocorre com a palavra tesknota, em polonês (uma língua deveras
bárbara).
Porém,
como fica claro, em ambos os casos o sentido é um tanto diverso do que damos a
nossa palavra Saudade. Para eles, essa palavra está ligada a uma ideia de “nostalgia
de casa”, um termo para se dizer que se está com “vontade de voltar ao lar”. Há,
um caso bem interessante com a língua de Goethe: fernweh significa sentir saudade de um lugar onde nunca
esteve! Coisa que nossa língua não tem! Ou tem?
Outro caso interessante ocorre com o árabe, onde há
uma correspondente bem próxima do sentido que damos a nossa palavra saudade. Mas nesse caso, não se trata de uma única palavra, mas do termo “alistiyáqu 'ilal
watani”.
A palavra saudade vem do latim “solitate” (isolamento,
solidão), esses casos apresentados também flertam com esse sentido. Nossa
palavra saudade e as palavras solidão e isolamento – isso é bem claro – são muito diversas desse
significado: nossa saudade pode ser sentida em meio a uma multidão, numa
metrópole ou num camarote vip.
Nossa
saudade, na maioria das vezes, é expressa como algo bom: um desejo de rever uma
pessoa, uma vontade de reviver algo do passado (um beijo, uma viagem, uma ida
ao restaurante); nossa saudade (a palavra) quase sempre é um pretexto para
reencontrar um amigo que se distanciou, uma amada que foi abandonada (ou que
nos abandonou), etc.
Creio que a originalidade da palavra saudade em língua portuguesa seja
essa.
Um dia, pensando nessas questões (a beleza da Língua Portuguesa e
a origem e originalidade da palavra saudade),
resolvi escrever um poema sobre o tema.
Ei-lo:
___
Saudade,
a palavra
1
Saudade
não se traduz
Ninguém
a sentia
senão
os portugueses que a espalharam:
pastores,
poetas, pulhas
(como
a gripe, a varíola & o sarampo)
até
o mundo todo ficar contaminado
2
Ninguém
sentia saudade em russo?
O
que corria nas cartas de Maiakovisk?
O
que sentiu Gagarin ao ganhar o céu?
Qual
era a cor dos olhos de Lênin no exílio?
3
Uma
palavra inaugura tudo?
Inventá-la,
ou traduzi-la
basta
para (a palavra
ou o
que ela transborda)
nos
colonizar?
4
Tudo,
dizem os filólogos
pelo
fato de os lusitanos
errarem
pelos mares
(nunca
dantes)
deixando
para trás as noivas
(por
casar)
os
filhos, o cachorro, o gato
– aliás
saudade
é para quem fica
ou é
algo que se reparte?
5
Mas
e os outros povos, não erraram?
Gregos
e Persas pelo Egeu
Fenícios
nas praias da China
Vikings
se bronzeando pela Linha do Equador
A Invencível
Armada posta a pique
encharcando
de sangue o Pacífico
Se
não eram saudades o que deixavam
– no
coração de suas amadas –
o que seria então?
6
Quanto
desse sal?
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