segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Balada do Cárcere

andrzej jurczak


Ópera-rock sobre o Cárcere de Abaetetuba


2 – o carcereiro

Nada perturba o seu sono.
O canto da navalha, no pescoço de quem dorme,
não lhe tira o apetite
– treta de cigarro, mulher ou cocaína:
é com sangue que se assina esses contratos.

(O trânsito é um problema que o incomoda:
busina, semáforo, lhe tiram do sério.)

Nada perturba o seu sono.
O choro noturno de quem será enforcado
não lhe rouba a disposição
– o cinto e o cadarço cumprem o papel
que Deus lhe designou.

(O chuvisco na TV é um empecilho:
não há riso sem o programa, sem o comercial.)

Nada perturba o seu sono.
A emboscada que culmina em desgraça
não lhe inibe o descanso
– ordem natural das coisas:
quatro homens no banheiro, outro que não é mais.

(Futebol é algo que o desconcerta:
o empate é inadmissível; a derrota, insuportável.)

Nada perturba o seu sono.



*

15 comentários:

Bosco Ferreira disse...

Essa é a realidade dos presídios brasileiros frequentados por excluídos de todas as matizes.Parabéns Rafael Nolli.

flaviooffer disse...

Este poema é uma reflexão sobre o descaso da lei. Reflete bem os acontecimentos e, num retrato cru da realidade, nos propicia uma reflexão de fato, em relaçao ao sistema penal brasileiro.

Muito Bom.
Abraços!

Samantha Abreu disse...

Fantasticamente ácido.
Quero dizer... nem tão fantástico assim, quando o que vejo é a uma realidade dura, crua, suja.
Fantasia a gente tem nos sonhos, não em sonos complacentes e, por vezes, corruptos.
né não?!

Parabéns.
Muito bom.

Bosco Ferreira disse...

Ficamos, nós atores da épica e nosso diretor Wanden Lima, apaixonados por essas poesias suas. Boa noite Rafael. Após o carnaval entraremos em contacto com você.

Maria disse...

sentimentos consubstanciados nas palavras...descrevem arquipélagos...Ópera-Rock mesmo !!!

octavio roggiero neto disse...

e de que lado desta cela estamos? que personagens representamos sem saber nesta ópera? somos a corporificação das distorções destoantes.

lembrei de um trecho de uma música da Legião Urbana: "e quando o circo pega fogo, somos os animais na jaula; mas você só quer algodão-doce"

e o desfecho, diz tudo: "Nada perturba seu sono"

é o Brasil, deitado eternamente em seu berço esplêndido de inconsciência. somos nós, muitas vezes condescendentes com o insuportável.

abraço, poeta!

Caim disse...

Interessante essa outra parte do poema... ficou bem legal... grande abraço poeta... ate mais...

Loba disse...

Rafael, acho qe nunca vou me cansar de admirar a sua poética. Não é fácil ser tão assertivo e ao mesmo tempo tão poético - sem cair no lugar comum dos dramas cotidianos.
O tema é revolta pura pra quem tem um mínimo de sensiilidade. Parabéns por tê-lo te incomodando e ainda mais por responder tão lindamente a este incômodo.
Beijocas

Anônimo disse...

Rafael, parabéns por esta parte do poema. Me tirou o sono. Abs.

Héber Sales disse...

Este tipo de poema, meu caro, me faz pensar que não há tema próprio nem forma específica para a poesia: a trapaça poética contra a língua acostumada é o que conta.

Gostei muito, e, não sei porque, fiquei encantado com os versos 4 e 5. Talvez porque sejam um excelente aforismo?

Um abraço!

vieira calado disse...

Também a mim me desconcerta o futebol!
Às vezes vejo-me todo prazenteiro e não me lembra que o meu team (o Sporting) ganhou!
Só depois é que percebo. E claro, ao contrário...
Um abraço

Lidiane disse...

O que não perturba o seu sono, será que é o que embala?

Bjo, Rafael.

Anônimo disse...

desgovernos.Almas sem sentimentos.Vidas enjauladas. O humano ainda por se cosntruir.Forte esta tua poesia.Abraço.

yve disse...

Oieee meu querido! Deparei-me com um singelo comentario seu com respeito ao meu poetico trabalho sem fins remonerais rsrs...
Fico muito feliz sempre que alguem faz um comentario!
O seu trabalho está otimo, continue nesse caminho pois ele é teu.
Bjão e apareça sempre que quiseres.
Fica com Deus.

yve disse...

Ah! e caso tu não lembrar, esse é o link do meu blog.

http://yvanaepoesia.blogspot.com/