quarta-feira, 6 de maio de 2009

Comerciais de Metralhadora

(*Infelizmente, não sei quem é o autor da foto)




Um último hot-dog para Saddam Hussein



Quem hoje vai à forca
não é apenas aquele que o nome serviu
para nomear os cães raivosos,
apelidar os agressivos e tarjar os aptos à violência.

Quem hoje caminha para a mais justa das mortes
– talvez uma morte muito leve
para o peso de seus crimes –
não é apenas aquele que com seu bigode
é estereótipo de ditador,
pintado nas telas de Hollywood
como uma espécie de Carlitos satânico.
Avesso de herói: bufo,
cômico,
flatulento.

Sim, a sentença é categórica:
não lhe darão o balaço que merece,
um terceiro olho na testa,
posto que é soldado e
como tal deveria ser executado.

Será ao modo dos medievos:
com corda no pescoço,
língua roxa, baba morna e espasmos finais terríveis
de gado em matadouro:
platéia rompendo em aplausos diante de um
cadáver que será servido em banquete
à opinião pública.

Suplício televisionado aos países civilizados do globo,
com direitos exclusivos cedidos às grandes redes
de entretenimento e de news:
jornalistas dentro de ternos cinzas
confusos se devem sorrir ao noticiar o fato,
ou se graves como guarda-chuvas a degola
mereça uma voz empostada e imparcial.

Sua morte sendo noticiada em meio
a propagandas de programas esportivos,
anúncios de produtos para o combate às rugas
e reclames de cartões de crédito
com juros assustadoramente baixos e humanos.

Cidadão Kane organizando a grade,
negociando com os patrocinadores a divisão
latifundiária dos intervalos supravalorizados pelo show –
todos suplicando por closers
e recursos cinematográficos
que remeta o expectador à necessidade
imediata do consumo.

Letreiros enormes de pasquins anunciando,
equivocadamente,
o bota fora de Saladino,
o enforcamento dos muçulmanos,
o sumiço do Profeta –
pequenas matérias de última hora
confundindo o Corão
com o manual do terror fundamentalista.

Esse que em juízo
mostrou descrença diante de um tribunal
sem autoridade para julgá-lo
esteve ainda ontem escrevendo poemas,
não sobre as armas químicas
que utilizou sobre seu próprio povo,
mas a respeito de como o homem
deve proceder com as mulheres:
pequenas odes machistas, sobre cama & cozinha.

Esse homem que com toda a razão
renega o promotor, os jurados
e o sistema armado para condená-lo,
há poucos dias não passava de
um simples velhote imundo,
piolhento,
enfiado num buraco no deserto,
fugindo das águias estadunidenses
vindas dos sopphing-centers do norte,
vestidas com o que há de mais moderno
nas grifes bélicas.

Esse homem com uma agenda odontológica repleta
de compromissos com a obturação das cáries
e a operação dos canais
em nada recordava
o senhor distinto que de farda
convidou seus filhos para assistirem
o assassinato de seus opositores.

Em nada lembrava
aquele que esteve metido em golpes de estado
e no massacre dos próprios genros.

Em nada recordava o inteligente e cruel ser
que empreendeu uma constante guerra no Golfo Pérsico.

Não recordava o aliado dos xás do Irã
que intentavam com a guerra barrar a revolução islâmica.

Não recordava aquele que simplesmente
decidiu pela anexação do Kuait para matar –
mergulhado em sangue –
a sua sede de petróleo.

Duvido que algo no mundo mude
após o espetáculo pop de sua derrocada
(que nada tem a ver com a derrocada do povo iraquiano,
que humildemente resiste até a vitória):

a tv se cansará de noticiar
cristãos fundamentalistas
comemorando a vitória da democracia ianque;

se cansará de discursos judaicos inflamados
defendendo a propriedade privada
e o neoliberalismo;

se cansará dos palestinos ortodoxos e dos brandos
discutindo, muitas vezes com a voz das baionetas
e a língua de fogo da AK 47,
os pormenores para uma convivência dicotômica.

E a paz no mundo será a mesma paz que há agora,
pois hoje cai um genocida,
mas é outro que o derruba.




*

13 comentários:

Adriana Riess Karnal disse...

"E a paz no mundo será a mesma paz que há agora,pois hoje cai um genocida,
mas é outro que o derruba."
RAfael,
Gstei de sua "quase" ode aos detestáveis ditadores, e a enganação a que estamos submetdos.Como sempre, vc consciente.é mais um alerta!

Carlos Augusto disse...

Caraio, Rafael!! Desculpa o palavrão, mas esse poema está f... (ops, ia sair outro, hehehe)
Fui me envolvendo cada vez mais nele a cada estrofe até sentir um arrepio da cabeça aos pés com o último verso.

Será a mesma paz de sempre. Tudo propaganda ideológica...

Bom voltar por aqui!

Larissa Marques - LM@rq disse...

Sabe o que derruba, baby?
A bebida e a esperança, dois substantivos femininos, um dia Larissa virará substantivo comum e derrubará também!

Anônimo disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Diogo Bernini Milagres disse...

Muito bom!

Aprecio muito seu ponto de vista e modo de escrita!

Abraços

Diogo

Adriana Godoy disse...

Brilhante...uma visão meio apocalíptica, mas totalmente possível. Amei. Beijo.

Caim disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
BAR DO BARDO disse...

Concordo, infelizmente...

Jessiely Soares disse...

"E a paz no mundo será a mesma paz que há agora,pois hoje cai um genocida,
mas é outro que o derruba."


Caramba, que poema! Que poema!
Concordo contigo, meu caro.
E como disse o rapaz aí em cima: Concordo, infelizmente.

Unknown disse...

Quee massa
amei (:
mais ainda nao acredito que ele morreu :S
- Carol m

Linda Graal disse...

maravilha, querido!!!
forte e denso, como tudo o que leio teu!

beijobeijo

Edilson Palhares disse...

Rafael, como sempre, estupendo!
Mas apesar da vitória no terrorismo neoliberal, que muito mais, só que com a sutileza de último suspiro sob um viaduto metropolitano, não dá para viver sem tomar partido.
Fiquei feliz com a morte do nosso íntom "Sadã" e do "Binladem". Não quero morrer num antentado em NY quando algum eu conseguir ir lá para visitar meu sonho de criança, que é o Museu de História Natural de lá. Mas por outro lado, posso morrer num semáforo em qualquer cidade do meu próprio país, perfurado pela bala. É a vitória dos "síaus". Do Obama e não do Osama! Mas como estou no lado Oeste do planifério, tenho que aplaudir. E o faço com gosto, mesmo que eu morra como ele amanhã, por uma criança trêmula que não vendia bala, mas distribuia.
Abração!

Glauber Vieira disse...

A história realmente é um círculo, ontem caiu Hitler e Mussolini; recentemente Saddan, e agora Bin Laden... só nos resta esperar o próximo.

Realmente o texto continua atual, e continuará sendo por muito tempo. O final foi esplendoroso.