1 – os motivos
Sempre haverá um rompimento
ou discussão envenenada.
Por um momento, bem sabemos,
motivo é o que menos há.
Sempre haverá uma dor de perda
que só se perdendo para esquecê-la.
E há, sempre há, motivo obscuro
nunca suposto, jamais revelado.
Sempre haverá demissão inesperada,
concepção indesejada, inoportuna,
surgida em hora ingrata pela mão de sujeito
sem-nome, sem-vergonha, sem-cara.
(Nenhum que justifique ou que explique)
2 – a forma
É público, porém limpo –
outros verão o espetáculo,
não aqueles de apreço.
(Em casa, o sangue manchará
cortinas, desvalorizará o imóvel.)
É público, porém limpo –
outros verão o show, serão
aqueles que por um ou dois dias
deixarão de dormir,
beberão café em excesso,
terão um cigarro queimando os dedos.
Serão aqueles que esquecerão logo,
que comentarão via telefone,
especularão pela mãe – pobrezinha! –
e levarão o episódio às manicures.
É público, porém limpo.
Logo a ambulância fará o seu serviço
e a chuva ou as varredeiras, o seu.
(Em casa, o sangue entupirá
o ralo e excitará o cão.)
3 – o viaduto
a) Demolir seria insano, já que é via importante que oxigena o corpo da cidade. Demolir seria pôr fim a engenharia respeitável, amputando a paisagem. Bem sabemos que sempre haverá outros métodos a serem utilizados: a corda e a faca preenchem o cardápio.
Demolir seria insano, já que é veia vital que irriga o coração da cidade. Demolir seria incinerar o dinheiro do contribuinte, aleijando o cenário. Bem sabemos que sempre haverá outras formas convidando ao ato: revólver dormindo debaixo do travesseiro, mata-rato na prateleira final do supermercado.
b) Policiar se mostra inútil – seria o mesmo que montar base sobre os ossos dos cavalos ou à estátua de um elefante cinzento.
Policiar se mostra inútil, posto que se trata de região rica em possibilidades: os rios convidam ao afogamento e as margens barrentas à decomposição.
E quando tudo estiver sitiado, sobre a cômoda desaparecerá uma dezena de comprimidos da mãe.
4 – a rota
Nenhum semáforo que avermelhe
ou placa de trânsito que obrigue
(O sol
projetando a sombra)
Caminho pouco imaginativo
de paisagem em baixa resolução
(O vento
desmanchando o penteado)
5 – instante
Último pensamento
incapaz de
pela
dourando as
*
11 comentários:
Li para Maeles em voz alta agora ouvindo Andy Mckee, ficou ótimo.
Maeles disse que não parece ser a mesma temática o poema.
Motivos é o que menos há...
sempre o b e l o...
... vim só ler-te e deixar o beijinho
Será a cidade a grande culpada de tudo - bom álibi pra o que não explica nem justifica?
Obrigada pela presença, Rafael. Você é muito bem-vindo.
Beijo.
muito bom, como sempre, nolli!
abraço!
Nollão, Nollão... Ca força de sempre!
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Abismos
Pontes
Trampolins
que me impulsionam
pra baixo
RAFAEL,GOSTEI MUITO. "Sempre haverá uma dor de perda
que só se perdendo para esquecê-la." - "DIVINA É A ARTE DO ESQUECIMENTO" NIETZSCHE
Vim aqui e com outra leitura de seu texto, há sempre o inesperado esperando a morder o que pensamos ser ou ter adiante...as vezes nada falado, mas o pensamento direciona ao fadado ou iluminado...
Rafael,
Neste meu "instante", vim aqui lhe desejar uma paz enorme no Natal, independente de quais sejam suas convicções (ainda bem que a gente sempre tem umas datas para desejar a felicidade do próximo.)E que essa paz não caiba num dia só, de tão grande, e entorne para 2010.
Eliane F.C.Lima (Poema vivo)
Desejo-te
B
O
A
S
F
E
S
T
A
S
e um Ano Novo cheio de Alegrias Amor e Paz…
…
!nfinito
Beijinho
Rafael,
Voltei aos poemas acima. Parecem cada vez melhores.
Escrevi um texto em "Comentando... 8" (http://literaturaemvida2.blogspot.com)que gostaria que você lesse. Aliás, gostaria que lesse todos os "Comentando..." ali. Parece que eles têm as mesmas preocupações de seus poemas.
Abração,
Eliane F.C.Lima
É o que eu chamo de
"o ímpeto da vertigem".
Estou te linkando no Longitudes, OK? bj.
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