1
Não tinham nada em comum.
Se se amavam era por ignorância.
Outra palavra excederia.
Sequer poderiam explicá-lo.
Se amor fosse, o que o tornava?
Cio talvez dissesse algo.
Mas não dizia, em absoluto.
Fica-se assim, acreditemos.
E damos por salvo o poema.
2
Ele. Por falta de aptidões
– feio de berço, crescido errado –
nada de melhor lhe ocorreria.
Ela. Por falta de anseios
– sentia senão cólica menstrual –
nada de melhor lhe ocorreria.
Um dia os caminhos se cruzaram
– dia qualquer, sem santo ou festa.
Nada de melhor, nada de melhor...
3
Nem tão bom haveria de ser.
O tanto que era não bastava –
havia fome e frio todo dia.
Sequer tão ruim chegaria a ser.
O tanto que era se suportava –
coisa que não chegaria a aleijar.
Nada de ambos haveria de ser.
O que quer que fosse assim o era –
um pouco de cada em doses diárias.
4
Até onde poderão ir ninguém sabe.
Manter-se vivo tem sido o bastante –
e a saúde vai sendo remediada.
Até onde poderão ir ninguém sabe.
Uma hora a voz ultrapassa o limite –
e dos socos se passa à faca.
Até onde poderão ir ninguém sabe,
um passo adiante devora a cerração –
e o poema perde a sua batalha.
Colagem de Max Ernst - da série "A Semana da Bondade" |
Meus caros amigos, há algum tempo venho alimentando uma obsessão por “fotografias poéticas”. Seria algo como o poeta se colocar feito um pintor na praça e se por a rabiscar sobre os passantes. Sei que o poeta francês Jacques Jouet, vinculado ao grupo Oulipo, trabalhou assim por um tempo.
Já tenho um bom número desses poemas. São auto-retratos, retratos falados, rascunhos, etc, todos absurdamente especulativos... “Retrato de um Casal” é mais um dessa série – outros podem ser lidos nos seguintes links:
24 comentários:
Gostei bem desse cá.
Boa execução.
Continue "fotografando".
De tão perto que estou, quase queimo o dedo ao esticá-lo. No caldeirão, a colher de pau mexe (n)as lembranças de um passado amargo. Aqui no limbo social, espero chegar o casal ou a batalha com o diabo.
Abraços!
limbosocial.blogspot.com
Gostei demais! Sinto q nos q fazemos arte, de alguma forma, tentamos descrever o q vemos a nossa volta com um pouco mais de sensibilidade. Curti muito o modo q vc criou a cena. Quando sai o livro novo? Eu estou crendo q não escreverei poemas mais. Já não sinto necessidade há tempos. No mais, um abraço do brother aqui.
sempre há retratos que compensam ser destacados, belo!
Nolli meu camarada,
Muito bons seus versos, fotografia perfeita para poemas. Na boca da mosca.
Abração.
Saudade de vocês aí.
Casal detalhadamente retratado!
Engraçado como as coisas se interligam, você citou Jacques Jouet, a colagem me lembrou de Alexander Rodchenko que automaticamente me lembra Vladimir Maiakovski, então seus texto fez surgir uma cadeia de acontecimentos em retratos na minha mente.
É muito bom apreciar as construções que você faz!
Parabéns!
Poeta Rafael, muito bacana o seu blog. Tudo feito com muita arte.Voltarei mais vezes... grata e um abraço! Mirian(Mira).
Até onde se pode ir não se sabe, mas seguimos acordando feito o "cotidiano" de Chico para tecer nossos dias, e buscar sair da sobrevivência.
Teu poema tem um canto triste para que despertemos porque se "manter-se vivo tem sido o bastante", temos que nos dar conta que assim rasteja a humanidade...
Um beijo Rafael e gosto muito de tua "fotografias poéticas”... também reinventamos os nossos photopoemas lá em Vidráguas, justamente por pensar e acreditar que a Arte tem que andar sempre livre...inventiva!!
Carmen.
Nolli, tava com saudade disso tudo...parabéns de verdade pelo seu trabalho. beijo
fotografias bem feitas, construções poéticas impecáveis. há muito eu não lia algo tão concretamente belo.
um beijo poeta.
Nolli,
fotografia e poesia caminham numa mesma vertente, afinal poeta busca no âmago das coisas tudo que possível para retratar vivências e sentimentos, adorei esta postagem.
ah sou fã de fotografias
É tão ruim dois seres ficarem juntos assim, sem nada a ver... rs. Pena! Talvez melhor fosse se separar, mas pode ser que a separação seja muito difícil de se realizar... rs.
Abração, Rafael. Sucesso com as fotos também.
Boa semana.
Rafael,
que retrato poético do cotidiano mais perturbador!
o sentimento desconstruído na lida de viver...amei seu poema narrativo! Belíssimo!
Obrigada por seu carinho no Covil da Loba!
Beijão!!!
Fala Sô Rafael Nolli! Cara aproveitei uma carona das suas imagens para publicar alguma coisa do Max Ernst.
Bem recomendado!
Abraço!
obg pela visita
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gostei deste espaço
daqui levo um toque de escher
Caro Nolli,
Li seu poema. A crueza verbal é uma de suas principais características. Nesse caso, se adapta perfeitamente à crueza do tema: as relações humanas são difíceis e ásperas.
Estive algum tempo longe dos blogues e dos amigos. Mudei-me, de novo, para o meu insubstituível Rio, finalmente, e comecei agora novamente a postar. Volto aqui e espero-o lá.
Um grande abraço,
Eliane F.C.Lima
bela associação entre fotografia e palavra... obrigado pela visita ao Casa de Paragens
Nolli, meu amigo, está cada vez melhor!!!! Indicarei nas minhas páginas, aguarde.
Abração
www.luizalbertomachado.com.br
definitivamente não poderia concordar mais. a ideia de homem-ilha é demasiado dolorosa para ser vivível...
:-)
Oi, Rafael.
Seus poemas são muitos bons! Não me canso de repetir isso! rs
Gosto da sua forma de se expressar. É palavra cortante... sangra a alma poética da gente. :) Bom demais!
Grande abraço...
Sensacional tudo aqui. De extremo bom gosto. Keep it like this.
Um beijo.
Interessante o texto, o final fechou muito bem; também interessante é saber a maneira como foi escrito.
Aproveito para deixar marca de a_preço. Abraço
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