O que pode fazer o poeta ao cantar o Sudão,
uma imensa ferida sangrando no mapa ?
Ao modo das agências de viagens
teria ele a coragem de elevar a sua voz
e dizer que apesar dos seus vinte mil órfãos
fugindo pelo deserto
a limpeza étnica que chega ao fim
aprimorada com a modernização da máquina
e da indústria ,
continue viva .
os estupros , pois não há mais quem seja violado
e alimentar o sono dos homens .
Haveria o poeta de dizer que ,
deve-se ir conhecer o Nilo
e suas câmeras eletrônicas desinformadas? –
e nunca especular sobre o interior ,
e o líquido que menos se lamenta ao ser derramado
continue a ser o sangue humano .
E se o poeta não encontrar metáforas que possibilitem
(Poderia o poeta , sempre um pobre mortal , dizer :
Ó País Sem Mãos
e cometer o sublime erro de crer que o problema
da África possa
E se, de repente , o poeta não achar a frase certa ,
e em seu trabalho não ser citado
a morte por hemorragia
e a certeira infecção generalizada?
há de se perguntar
o ritual comum de utilizar a gilete de barbear
de pequenas meninas?
e os grandes lábios
arrancados como pequenos bifes ,
num mundo anterior ao éter e a penicilina ,
acostumado ao uivo adolescente
de dor e desespero?
os espinhos de coqueiro usados para costurar
e expulsar tudo o que é prazer de suas vidas ?
a pequena abertura deixada para escorrer a urina
e a menstruação ?
E se, esquecido de sua honestidade ,
o poeta se olvidar da pergunta
E se, desmembrado de seu humanismo ,
ao comprarmos
trazê-los para tornar
nas moendas
do Império do Brasil!
e sua guerra à beira das bodas de prata.
É desculpas que o poeta pede
ao se omitir na estante .
* do livro Comerciais de Metralhadora
18 comentários:
estar em silêncio em uma estante é triste para um poeta...
seu poema é pertinente e belo!
beijo!
A poesia, sua, supreendente e forte. Tomei um soco no estômago! Beijo enorme pra você(s)....
Muito bom poema e combatente!
Braços.
camarada,
desde há algum tempo acho que a nossa missão de escrever apenas, não agindo no mundo é completamente insuficiente. um poeta, mais do que escrever, deve levar a sua poesia interior para o mundo,
abraçando
agindo sobre quem está ao redor dele
denunciando
amando
olhando olhos nos olhos
só assim o verdadeiro poema será escrito porque, a bem dizer, a poesia e a Vida são uma estrutura unitária e não podem viver um sem o outro.
com essa perspectiva, acho que o mundo será bem melhor.
vou partilhar este seu poema publicamente, pelos meios facebúnicos. espero que não se importe.
grande abraço
jorge
Cara, esse me deixou sem palavras ou frases de efeito. Simplesmente perfeito! Parabéns camarada.
Do Brasil ao Sudão, há um mar vermelho.
Bj
Meu caro!
Muito bom e oportuno o seu poema!
Que há-de fazer o poeta senão denunciar a miséria que vai na mente dos poderosos, oportunistas e exploradores?
Quanto ao meu livro, não sei bem a que se refere.
" As Cores do Poema" funciona como catálogo da exposição e não vai dar para as encomendas...
O que tenho aí no Brasil, publicado em S. Paulo, Por Detrás das Palavras, é uma 2ª edição, já que a 1ª está cá esgotada.
Para informações ou obtenção
ligue (011) 50212233 Marcio ou Maria
ou
Maria@becodospoetas.com.br
Muito obrigado pelo seu interesse.
Um forte abraço
Um poema de denúncia - e o que há para denunciar em nosso mundo é tanto! Forte e muito belo, Rafael.
Abraço.
Não há omissão aqui. A palavra luta bravamente. Bravo!
Abraço,
Ana Ribeiro
Meu Deus, Rafael como é belo e doloroso este seu poema. Se teu objetivo era nos fazer sangrar por dentro, muito além da carne a cada verso a cada palavra lida, fico contente em te dizer que vc conseguiu o seu intento. Parabéns pela poesia concisa, incisiva e contundente. Repito o convite feito no face para visitar http://emaranhadorufiniano.blogspot.com e postar lá seus comentários que para mim serão por demais valiosos. Já lhe sigo. Abrçs!!!
camarada, que prazer receber comentário seu, pessoa que considero um mestre. saiba: se não comento por aqui, é porque me falta esse seu talento - comentários que acrescentem, que não ficam na mesmice. mas saiba 2: estou sempre por aqui, sempre atualizado dessa sua obra, essa sim, um belo trabalho; mais que isso, um trabalho relevante, vigoroso, genial.
abração!
tenório
quero ler esse poema um dia num sarau.poema foda demais.
Oi
O Navio Negreiro não tem mais donos..
Onde achar esperança? Onde?
Metralhou, mesmo, Nolli. de f...Beijão
Pessoas passam, bocas silenciam, enquanto da prateleira seu poema grita.
Intenso Nolli, muito!
Sempre que houver a voz de um eu poético gritando suas verdades sobre o mundo, as bibliotecas não estarão silenciosas. Esse grito tem a capacidade de se realizar, muitas vezes, apenas em corações solitários e em ouvidos que também têm a capacidade de ouvir. E sempre haverá um sujeito - lírico ou não - apto a soltar a voz e um ouvido para ouvir. É dessa matéria humana - indignação, solidariedade e sensibilidade poética, finalmente - que é feita a literatura.
Eliane F.C.Lima (http://poemavida.blogspot.com)
Ainda eu, Nolli,
Como você supôs, eu me interessei pelo tema, não só desse poema, que comento, mas de todos os outros que leio aqui. Sua indignação poética é tão jovem e isso independe de idade. É a força desse sentimento que apara as injustiças, que são tão velhas.
Eliane F.C.Lima
Nolli,
vc disse tudo em poucas linhas,
adorei, adorei......
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