sábado, 18 de fevereiro de 2017

Elegia nº 2

Sorriwing Old Man (At Eternity's gate) Vicent van Gogh

1. Quando a indesejável das gentes chegar

o que estiver em andamento findará
& não haverá mãos que o resgate:

o pão com manteiga sobre a mesa
(mordido uma única vez)

a reforma do telhado
(antes da temporada das chuvas)

o poema derradeiro
(abortado na última estrofe –

restando apenas [talvez]
o ponto final)

2
pequenas coisas, de uma banalidade ímpar
exigindo algum engenho & muita paciência:

encontrar o carro estacionado em local ignorado
(em alguma rua nas proximidades –
não mais que dezenas delas em dois quarteirões)

“alguém precisa ir alimentar o gato
& dar de beber às samambaias –
sabe-se aonde guardava as chaves de casa?”

quitar uma pequena dívida no mercadinho
(algumas maçãs, uma garrafa de mel, cachaça –
“não há nota”, diz o cobrador meio encabulado)

3
o morto não se enterra sozinho
havendo em torno diversos encargos:

alguém que pague tudo (caixão,
carneiro, lápide)
& seja justo no rateio entre os familiares –
“a cada um segundo as suas possibilidades”

cabendo a outrem a inglória parte
– quem há de fazê-lo sem se lastimar? –
de ligar para a mãe
(aquela que o carregou por 9 meses)
que antes de se desesperar
encontrará forças
para ligar para a manicure

& desmarcar o horário



Nenhum comentário: