domingo, 13 de outubro de 2019

Não tenho fotos de quando eu era criança



Não tenho fotos de quando eu era criança.
Talvez ainda exista algum foto da adolescência
esquecida dentro das gavetas da cômoda
ou perdida nas página de um livro.

Porém, não há nada nessas fotos da adolescência
– nada mesmo – que possa me interessar.
O que se vê, nesses registros da juventude –
são espinhas, que me envergonhavam
e um nariz torto, que era maior do que devia.

Não há como negar, no entanto, que sou eu
em uma versão inacabada, quase pronta;
Não há como negar, no entanto, que sou eu
(naquela foto) lutando contra as espinhas
e sendo derrotado por uma porção de hormônios.

Dos tempos de criança, nenhuma foto;
nem uma única foto!
Todas que consulto, é outra criança que se revela:
pequena, rechonchuda, com um sorriso na cara.

Em uma fotografia tirada na porta da casa de meus pais
– por exemplo –
se vê um menino segurando uma bola de plástico
vestindo uma camisa do Flamengo (modelo 1982)
quase com o umbigo de fora.

Definitivamente – não há dúvidas – não sou eu:
não tenho intimidade com a bola
(nasci com dois pés esquerdos)
e por nada nesse mundo – nada mesmo –
torceria para um time de futebol
(muito menos posaria com o umbigo quase de fora).

Que criança é aquela, suja de tanto brincar?
Ela tem o meu nome e talvez algum traço
– os olhos quem sabe, quem sabe a boca –
são bem parecidos com os meus traços atuais.

Mas isso pode ser uma simples coincidência
e as crianças – não restam dúvidas –
brancas, de classe média, privilegiadas
são sempre meio parecidas nessa fase.

Mesmo essa foto, no álbum que minha mãe preserva
(com a data precisa escrita a lápis em seu verso: 1982)
não é uma foto minha de quando eu era criança.



Que criança é aquela, então?




Araxá, 12 de Outubro de 2019

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